Américo Gonçalves


Paixão na indústria, aposta em hotéis


Américo Gonçalves. Está na implantação das estruturas de cozinhas e câmaras frigoríficas do aeroporto, numa altura em que o Savoy explora as unidades de restauração daquela infra-estrutura aeroportuária.

por: Paulo Camacho

Desde muito novo que o mundo das máquinas o desperta. O universo do sector industrial é suficientemente apelativo para que que não se canse de o abraçar e estar a par de tudo quanto a ciência vai colocando ao serviço do homem neste domínio. Por isso mesmo, quando surge a oportunidade de decidir que rumo dar à sua vida, tira o curso, na Escola Industrial e Comercial do Funchal, de Engenharia de Electrotecnia e Máquinas, que já não existe.
A sua inclinação leva-o a insidir mais para a área de construção e instalações especiais na parte mecânica. Uma especialização que vai desde o ar condicionado à eléctrica e, sobretudo, à manutenção. E é esta vocação que acabaria por trazer o empresário madeirense Américo Gonçalves para a hotelaria.

Américo Gonçalves acaba o serviço militar obrigatório e é convidado pelo director da então Escola Industrial e Comercial do Funchal (hoje Escola Secundária de Francisco Franco) para dar aulas. Lecciona durante sete anos na instituição da Rua João de Deus, ao mesmo tempo que o faz na Escola Salesiana. Dá aulas de Desenho, Electricidade, Tecnologia, Desenho Esquemático, Desenho de Máquinas e Mecânica.
Ainda dá aulas quando surge um outro convite: reorganizar os serviços de manutenção do hotel Savoy, de cinco estrelas, no Funchal.
Por isso, está ligado à hotelaria desde 1971. Refere que até aí não há na hotelaria local a ideia de manutenção dos equipamentos que permitem a uma unidade funcionar com eficácia. Até então é construir e reparar quando surge a avaria. Mas «manutenção não é nada disto: é conservar e evitar a avaria.» Na prática, sublinha que estamos a falar do “coração” da hotelaria, já que nenhum hotel funciona se não tiver as diferentes estruturas técnicas a funcionar a 100%.

Viajar para aprender

É esta a sua principal vocação, à qual pretende estar sempre ligado.
Está na implantação das estruturas de cozinhas e câmaras frigoríficas do aeroporto, numa altura em que o Savoy explora as unidades de restauração daquela infra-estrutura aeroportuária.
Por essa e outras razões de querer estar sempre bem informado, desloca-se, com frequência, ao estrangeiro, a países como a Dinamarca. Suporta as despesas para frequentar cursos que o permitam estar sempre a par do que novo se faz na sua área.
Apesar de ligado à hotelaria, tem uma profissão um pouco liberal.

De manhã à noite

Contudo, a sua vida começa com sacrifícios. Chega a ter dias completos com aulas na Escola Industrial logo de manhã cedo. Sai e vai para o Savoy e, nalgum período, tem de ir até ao aeroporto, numa altura em que a ligação terrestre demorava muito tempo. Não havia a via rápida e o acesso é extremamente sinuoso e lento.
À tarde volta a dar aulas, nos Salesianos, pelas 17 horas. Vai a casa comer qualquer coisa para enganar o estômago e fecha o ciclo com aulas noturnas novamente na Escola Industrial.
Esta é a sua vida durante muitos anos, onde os fins-de-semana são para elaborar projetos de câmaras frigoríficas e de ar condicionado.

O grande passo

Chega a altura em que sente chegar a altura de dirigir os seus próprios destinos. Cria a sua própria estrutura.
Começa com a Nergsol. Mais tarde tem oportunidade e compra a Madeira Frio, que está numa situação de falência técnica. Recupera-a. Américo Gonçalves diz que nenhuma outra empresa da Região tem na sua carteira as obras da Madeira Frio, apesar dos “lobbies” que diz existirem na altura por parte de empresas continentais com um «favoritismo descarado».
Mais tarde encontra a empresa SEM - Sociedade Eletrónica Madeirense, igualmente numa situação económica difícil.
Consegue comprá-la e, de novo, tem o condão de recuperar a empresa.

Mágoa pela escola

Contudo, apesar de bem implantado, não esconde uma grande mágoa: ver a Escola Industrial e Comercial acabar com o ensino prático. Por isso, com exceção de alguma juventude que começa a sair hoje em dia das escolas profissionais, sublinha que o 25 de Abril destruiu a formação técnica que tínhamos em Portugal. E os bons técnicos que havia foram embora para o Brasil. Outros, por teimosia, como Américo Gonçalves, ficaram por cá. 
«Quem passou como aluno e professor de uma escola industrial e comercial sabe muito bem que aquelas instituições foram o pilar do desenvolvimento que o país teve antes do 25 de Abril, e mesmo depois da revolução.» Com esta afirmação, o empresário quer deixar claro que não é sua intenção ser polémico. Apenas pretende manter a frontalidade que o caracteriza. Uma frontalidade que lhe faz dizer que nunca se construiu tão mal como agora, porque não há formação adequada. E, para não perder a embalagem, critica a proliferação de empresas que surgiram na Madeira nos últimos 10 anos, onde qualquer pessoa se intitula técnico, quando, «muitas vezes, nem um projeto sabe ver.»

A hotelaria

Além desta realidade considera que existe o «cancro» da imigração dos países de leste. Entende que pode vir a causar problemas graves à estrutura social da região.
Mas deixemos as críticas e regressemos ao percurso profissional de Américo Gonçalves.
Algum tempo mais tarde, decide diversificar os seus investimentos. Aposta na hotelaria. Constrói a sua própria unidade, depois de estar ligado a outros projetos específicos.
Por entender que a hotelaria deve ser uma arte de bem receber, decide construir uma unidade onde os clientes sintam calor humano e um ambiente de fraternidade e amizade; onde as pessoas se sintam bem.

Um novo projeto

Durante algum tempo, procura um lugar que ofereça as características que defende. E encontra. Pede opinião a várias pessoas, algumas delas ligadas ao turismo. Recebe o apoio e incentivo para investir na Zona Velha, onde sempre houve algumas pessoas que chegaram a colocar reticências num investimento desta natureza.
Hoje tem de pé o hotel de quatro estrelas Quinta Bela de São Tiago, ali mesmo a dois passos da Zona Velha da cidade do Funchal.
Entre mãos tem um outro projeto: na Ponta do Sol. É considerado estruturante para o concelho.
No entanto, está tudo em “stand by”. Desde há algum tempo. Por isso mesmo, Américo Gonçalves diz continuar a aguardar. A aguardar que as pessoas que o incentivaram a arrancar com o projeto cumpram o prometido.
Na prática, trata-se do projeto para a construção de uma unidade de quatro estrelas, junto ao mar, que o empresário deixa claro estar pronto para arrancar assim que tenha luz verde. 
Quando concretizar o empreendimento projetado para um local a poucos metros do centro da vila, Américo Gonçalves irá cimentar a sua aposta no turismo. Uma aposta que pretende ampliar ainda mais.

Qualidade

O empresário tem uma leitura muito própria do turismo na Madeira. Recorda o tempo, depois do 25 de Abril de 1974, em que a crise gerada no país obriga algumas unidades hoteleiras a encerrarem alas. O turismo, por essência, muito sensível a instabilidades, não se compadece com destinos que não ofereçam 100% de segurança, pese embora no caso da Madeira tudo seja muito leve. E, felizmente, por pouco tempo.
Hoje diretamente ligado ao turismo, Américo Gonçalves não tem dúvidas que a única saída para o sector na Madeira passa, essencialmente, por uma aposta clara na qualidade. Qualidade e num turismo orientado para o convívio quase permanente entre cliente e quem os recebe nas diferentes unidades.

Conforto e sossego

Pela experiência que tem conhecido, principalmente desde que abriu o seu próprio hotel, refere que o turista quer, cada vez mais, estar em diálogo permanente com o rececionista, o homem do bar, da piscina e mesmo do que cuida do jardim e da fazenda. Ora, no seu entender, com grandes unidades, este espírito perde-se.
Além disso, diz que o turista que procura o destino Madeira vem à procura da natureza, que temos, e do sossego que a ilha oferece e não da praia, que não temos, embora seja ponto assente que o mar tem um grande potencial ainda por aproveitar. Neste sentido, considera que o turista que chega à Madeira não vem à procura de características semelhantes a outros destinos de massas como as vizinhas Canárias e as igualmente ilhas espanholas do Mediterrâneo, Baleares.
Neste sentido, é precisamente conforto e sossego que Américo Gonçalves diz oferecer na sua unidade. Uma realidade que faz com que registe médias de ocupação superiores a 80%.
Neste momento, Américo Gonçalves tem em mãos uma ligeira ampliação do hotel precisamente para proteger ainda mais a área interior do ruído. Como realça, quando constrói o hotel, tem na base precisamente essa intenção.
Presentemente a unidade tem 88 camas, em 44 quartos, e o empresário não quer ultrapassar as 120 camas (60 quartos) para manter o espírito que está na base da sua construção. Até porque, se assim o fizesse, refere que só o poderia fazer em altura, criando um monstro de betão, que não quer, ou destruindo os amplos jardins e a zona agrícola, o que seria acabar com o que de mais valioso tem na unidade.

“Hobby”: aprender

Em matéria de “hobbies”, Américo Gonçalves gosta muito de jogar minigolfe, que não tem conseguido fazer em quantidade tal como gostaria, nos últimos tempos.
Para além dos jornais, gosta de ler. Ler, principalmente, livros técnicos, que lhe permitem estar sempre a par das novidades. Deixa claro que a sua maior paixão é a leitura técnica.
Outra componente que não descura é estar com amigos e conversar. Conversar muito com eles e ainda nadar.

O trabalho diário

O seu relacionamento com as novas tecnologias é muito grande. Entende que o ser humano tem de saber absorvê-las e utilizá-las a seu proveito. Entende que a era do computador é extremamente importante desde que seja utilizado devidamente.
No que toca ao tempo de trabalho diário, normalmente, começa bem cedo. Acorda pelas seis horas e entra no escritório entre as 7.30 horas e as 7.45 horas. O regresso a casa dá-se pelas 21/22 horas.
Presentemente, Américo Gonçalves conta no universo das suas empresas com cerca de 130/140 colaboradores. 

2002-05-24

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