Joe Berardo


A arte de saber investir


Joe Berardo sai da Madeira à procura de um lugar que permita abrir as portas das oportunidades que a limitação da ilha inviabiliza. Escolhe a África do Sul. E acerta. A juntar aos negócios aposta na arte, com sucesso.


Nasce na Madeira. Frequenta a escola. Ainda jovem, começa a trabalhar na Madeira Wine. Onde também trabalha o pai. É pequete e rotulador das garrafas de Vinho Madeira.
Muitas vezes, vai ao topo da montanha. Para poder alcançar um horizonte mais alargado. Quanto mais sobe, mais amplo é esse horizonte.
Sabe que, para realizar as ambições e sonhos tem de ir para além do que os seus olhos alcançam.
Assim, cedo se apercebe que a Madeira não pode corresponder aos seus horizontes. Sair da ilha começa a acompanhar constantemente os pensamentos.
Confidencia com o pai. Que defende a saída para o Brasil. Ou o Canadá.

A África do Sul

Joe Berardo prefere antes rumar para África. A África do Sul, concretamente. O que acontece em 1963. Tem então 18 anos.
De caminho, passa por Moçambique. Pela capital Lourenço Marques (actual Maputo). Gosta do que vê, na então colónia portuguesa. Por ali fica seis meses.
Faz a viagem da oportunidade juntamente com cinco companheiros.
Chega a Joanesburgo em Novembro de 1963 de onde segue para Orange Free State. Vai ter a uma fazenda no interior com os restantes viajantes.
Embora a ideia seja a de existência de trabalho para todos, cedo se apercebe que apenas são oferecidas duas hipóteses para os seis.
Antes da selecção final almoçam. Joe Berardo é o primeiro a acabar. E, por esse facto, ganha o direito ao emprego. Tudo porque o patrão entende que quem come depressa também trabalha rapidamente.

Trabalho duro

Está numa área onde falam um dialecto: o “daily”. O trabalho agrícola é duro. Mas aguenta durante dois anos. Reconhece que aquele não é o seu ideal.
Os primeiros anos revelam-se muito difíceis. Não só por problemas de adaptação à cultura, aos costumes e à língua, sobretudo o “africaans” e as línguas nativas, como também ao próprio trabalho.
Dois anos depois, de lá ter passado, volta a Joanesburgo. Depara-se com outro mundo. Passa a praticar o inglês, e igualmente os dialectos africanos. Em seis anos tem de sobreviver em três línguas. Adapta-se aos novos costumes. Desta forma, conquista a integração laboral e social.

Mudar o rumo

Casa-se com Carolina Gonçalves. Em 1969, de quem tem dois filhos: o Renato e a Cláudia.
Com o intuito de mudar o rumo à vida desenvolve outros trabalhos. Vende livros, é segurança em clubes nocturnos, gerente de restaurante e empregado num estabelecimento de venda de legumes.
É este último emprego que proporciona a viragem idealizada por Joe Berardo.
Procura vender os produtos a grandes empresas.
Sempre no mesmo negócio, tem a possibilidade de ser sócio. O que não enjeita.
Vende igualmente verduras para as minas.
Continua a trabalhar muito. No entanto, não é compensado monetariamente pelo esforço. Até então, recebe quatro a cinco mil randes por mês.

A mina da viragem

O contacto com a mina proporciona a concessão da sua primeira mina de ouro. Num sector que passa por um ciclo difícil e até mesmo de encerramento de algumas. Isto devido ao facto da extracção subterrânea do metal precioso, o ouro, não estar a ser rentável.
Mas este metal fascina-o. Começa a contratar consultores e técnicos para o aconselharem no projecto.
A decisão de participar neste sector cria conflitos familiares. E com amigos. Consideram que a actividade é dimensionada para multinacionais. Mas nada o demove dos seus propósitos.
Tem o pressentimento e a intuição de que o preço do metal precioso vai aumentar fortemente.
De facto, em relativamente pouco tempo, vem a ser considerado um dos maiores proprietários de reservas de resíduos auríferos à superfície. Em Joanesburgo. Depressa molda o primeiro lingote de ouro.
Tal como tinha previsto, o preço do ouro tem uma subida galopante. Em pouco tempo, as multinacionais propunham-lhe fazer “joint-ventures”.
Joe Berardo fornece a matéria-prima e eles reactivam as refinarias que estam fechadas por falta de resíduos.

Perseverança

Com perseverança, resiste às pressões das multinacionais. Conclui as “joint-ventures” nas condições de participação que define desde o princípio. Constitui um grande sucesso instantâneo.
A vida muda. Dos poucos milhares que aufere passa a ver cheques bem mais avultados. De muitos randes.
Passa, também, a investir em minas de diamantes, numa instuição financeira, e noutros sectores diversificados.
Tem a sorte de, no dia em que vai visitar uma mina de diamantes encontram um grande diamante. O valor é tão grande que ajuda a pagar parte do investimento ali efectuado.

Sorte. Mas muito trabalho

Dizem que é um homem de sorte. Joe Benardo diz que, francamente, a sorte da muito trabalho. Acredita que é preciso estar no sítio certo na hora certa.
A opção pela África do Sul acaba por revelar-se acertada.
O sonho começa a materializar-se.
Uma das ambições que leva na bagagem é que, se atingir os seus objectivos, quer ajudar os outros a concretizar os seus sonhos. Neste âmbito, recorda o que a mãe Ihe diz um dia. Palavras que acaba por orientar a sua vida: "Faz bem com a mão direita o que a mão esquerda não sabe".
De facto, e seguindo essa orientação, ajuda a comunidade portuguesa durante muitos anos. Isso leva a que, mais tarde, o Governo português atribua uma comenda.

Convite do Governo

A dado momento da sua vida, Joe Berardo é convidado pelo presidente de então da África do Sul para participar no Conselho Consultivo do Presidente, constituído por 22 personalidades. É o unico e o primeiro estrangeiro desse Conselho.
Aceita o convite porque quer contribuir para acabar com o sistema de segregação racial. Assim, é com grande regozijo que vê chegar o fim do “Apartheid”.
Questiona-se sobre o que pode fazer para agradecer a um país que o recebe como a um fiIho da terra. É uma civilização que diz ter contribuído fortemente para o seu desenvolvimento espiritual e material.

O irmão Jorge

Depois de ter ouvido as mais diversas opiniões, resolve que a melhor maneira de ajudar os outros é partilhar e dar-lhes oportunidade de alcançarem os seus objectivos.
Após ponderar, decide contribuir para o desenvolvimento da Madeira. Madeira onde tem o irmão Jorge. Irmão a quem não quer deixar de agradecer, por toda a ajuda que presta nos momentos difíceis e por tudo o que tem feito por si. Lembra mesmo um momento que, para si inesquecível: a surpresa de o ter como única presença da família no casamento, o que muito o sensibiliza.

O senhor da arte pop

Joe Berardo colecciona desde criança. A África do Sul e o sucesso permitem apostar em objectos de maior valor.
Hoje tem uma colecção de arte, considerada uma das melhores do mundo.

Aos poucos, começa a aplicar a máxima de não depositar os ovos no mesmo cesto. Diversifica o negócio na África do Sul, no Canadá, onde tem uma grande mina, na Austrália, e em Portugal. Portugal onde, associado a um amigo, também empresário português na África do Sul, Horácio Roque, desenvolve investimentos.
Na África do Sul, chega a ter 10 mil pessoas a trabalhar para si. No Canadá, 2.500.
Ainda hoje mantém importantes negócios naquele país. Onde tem uma excelente relação com “Pik” Botha, antigo governante na África do Sul.
Liga-se aos sectores hoteleiro, com o grupo Siet, proprietário do emblemático Savoy, no Funchal, ao imobiliário, ao fabrico de rações e à indústria tabaqueira com a Empresa Madeirense de Tabacos. Controla igualmente, na altura, com o amigo Horácio, o Banif - Banco Internacional do Funchal.

Regresso à Madeira

Com o regresso à Madeira, entre os investimentos enumerados, compra a antiga propriedade do cônsul inglês Murray, que, mais tarde, será o Monte Palace Hotel. Ali instala a Fundação Berardo.
Algum tempo depois, aposta fortemente na vertente cultural.

Coleccionismo

No fundo, o gosto pelo coleccionar vem de criança. Guarda selos, caixas de fósforos e os postais que consegue dos navios que passam amiúde pelo porto do Funchal. Considera ser influência das famílias inglesas que encontra na Madeira Wine.
Ainda hoje mantém essas colecções. Aliás, diz que nunca vende ou oferece nada do que compra ou que adquire a nível do coleccionismo e da arte. A excepção vai para um quadro que oferece ao presidente do Governo Regional da Madeira, Alberto João Jardim.
Com a ida para a África do Sul, o gosto pelo coleccionismo adquirido na Madeira amplia-se. Com mais poder de compra, naquele país, começa a coleccionar arte. Primeiro, adquire peças, próximas da fotografia, e anteriores à arte moderna.
Começa a visitar galerias. É a visita a um galerista que Ihe desperta para este mundo.
Nos princípios dos anos 80, com a ajuda de conselheiros, inicia a colecção de arte internacional na África do Sul. Desenvolve a sua paixão pelos jardins e pelo meio ambiente.

A Fundação

Com o tempo, decide criar a instituição particular de solidariedade social, denominada Fundação Berardo. Através dela atribui bolsas de estudo a estudantes madeirenses para frequentarem cursos superiores fora da Região Autónoma da Madeira.
Isto para além de vários outros apoios sociais e individuais.
Recupera os jardins do Monte Palace, abandonados por um período de aproximadamente 40 anos.
Hoje são visitados e apreciados por dezenas de milhares de pessoas. De todos os continentes. O que Ihe dá um grande prazer e alegria.
Noutros espaços, Joe Berardo refloresta 79 hectares de floresta ardida na Madeira e, recentemente, compra para preservar, cerca de 100 hectares de Laurissilva madeirense “Macaronésia”, classificada património mundial pela UNESCO.

Colecção de arte

Com um número considerável de obras de arte, lança a Colecção Berardo Século XX, uma das suas prioridades na vida.
Em 1997, inaugura o primeiro museu em Sintra, o Sintra Museu de Arte Moderna Colecção Berardo, em cuja cerimónia conta com a presença do Presidente da República e autoridades públicas e privadas, artistas, representantes de museus e críticos de todo o mundo.
Simultaneamente, são organizadas exposições com obras da sua Colecção, composta por mais de 1.000 unidades, em vários e conceituados museus. Obras suas são também solicitadas para integrarem exposições em todo o mundo, como por exemplo no Centre Georges Pompidou, em Paris, na Tate Galery, em Londres, no MoMA de Nova Iorque, no Guggenheim Museum de Nova lorque, na National Gallery, em Londres, entre muitos outros.
Como foi expressamente dito e escrito por vários críticos mundiais, nomeadamente no jornal “Independent”, com o título “Beyond the Guggenheim” estamos perante “uma das melhores colecções privadas da Europa, e do mundo”.
No fundo, como salienta o comendador Joe Berardo, a colecção dá oportunidade de poder exprimir que: “Amar, ajudar e desenvolver talentos, Manter e guardar o património do século XX, é contribuir para o bem-estar do próximo”.

O vinho

Joe Berardo investe igualmente na produção do vinho.
Tem uma grande paixão pelo Alentejo e pelo seu vinho.
É dono da J.P. Vinhos, que mantém a tradição dos bons tintos e brancos, cada vez de mais qualidade.
Entre as quintas que compõem o universo J.P.Vinhos, está a Quinta da Bacalhôa, sobre a qual muito já se escreveu. A conclusão é sempre a mesma: trata-se de uma obra-prima secular.
Historiadores de renome, portugueses e estrangeiros, dedicaram muitas horas a casarem as peças de uma vida de 400 anos numa incansável pesquisa de documentos espalhados por uma saga de antigos Senhores. A esta pesquisa científica junta-se a voz popular que através do tempo, repetidamente, contou as suas lendas que hoje fazem fé.
Relatos hoje históricos falam sempre de vinhas na Quinta. Mas, a verdadeira história deste grande vinho tinto começa em 1974 com a plantação de uma vinha com um encepamento semelhante ao de Bordéus.
A primeira colheita, lançada no mercado em 1979, impõe-se como um dos mais disputados vinhos nacionais e reforça a fama da já emblemática Quinta da Bacalhôa. Desta vez no universo dos vinhos.
Entre os vinhos da J.P. Vinhos destaca-se, entre muitos outros: Quinta da Bacalhôa, Tinto de Ânfora - Grande Escolha, Cova da Ursa e Catarina.
Outras apostas nesta nova paixão surgem.
Recentemente realiza diversas “joint-ventures”, como com 'Banron Rotschild' e, no Canadá, com a ”Colio Estate Wines”.
Nos poucos tempos livres que tem, gosta de confraternizar e de ópera, da qual se diz apaixonado. 


2004-02-13

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